As eleições presidencias de 2010
no Brasil começam a ser noticiadas e tudo indica que a disputa vai ser
acirrada. É nessa hora que o cidadão deve analisar cada candidato e escolher
quem será o melhor governante para o país. Após 21 anos de democracia, o
brasileiro ainda engatinha em sua consciência política e não compreende a
importância do voto para o rumo político do país.
O universitário Gutierres
Siqueira, 20, se considera politizado. Votou até agora em uma eleição, aos 17
anos quando ainda morava no Maranhão. Em São Paulo apenas acompanhou as
eleições para prefeito, pois não havia transferido seu título de eleitor. Dos
candidatos que votou no Maranhão, Siqueira não se lembra para quem aplicou seu
voto nos cargos de deputado estadual e governador. “Perdi totalmente o contato
com tudo de lá quando vim para São Paulo, inclusive da política”, diz. “Se
tivesse votado para prefeito em São Paulo acompanharia de perto as ações do
governo”, completa.
O Maranhão é um caso clássico da
política brasileira. Dominada há anos pela família Sarney, o estado, que é um
dos mais pobres do Brasil, encontra na população miserável e de pouca ou
nenhuma instrução, cidadãos em situação de abandono que são lembrados apenas
nas campanhas eleitorais para a compra de voto. Por uma cesta básica, um óculos
ou uma cadeira de rodas, o povo vende o voto, sua maior manifestação de poder e
controle da sociedade em que vive.
O Movimento Voto Consciente tenta
mudar esse quadro. Fundado em 1987, em
um momento em que o país ainda se erguia de anos de ditadura e discutia a nova
constituição, surgiu com o propósito de acompanhar os mandatos dos políticos no
legislativo, uma maneira de apresentar à população as ações dos maus políticos,
alertando sobre a importância e a relevância do voto. Há nove anos no Movimento
Voto Consciente, Amália Sylos, membro da diretoria e representante da ONG na
Câmara dos vereadores de São Paulo, diz que o voluntariado praticado por ela e
pelos demais 25 voluntários (a maioria aposentados e estudantes) vem
colaborando para a conscientização dos votantes. “Somos poucos, mas alcançamos
visibilidade e temos conseguido levantar a discussão trazendo informações
relevantes e que as pessoas desconhecem”, diz.
Amália conheceu o Movimento Voto
Consciente através de um amigo já integrante da ONG. Como sempre gostou de
política, achou que sua participação seria uma ótima forma de atuar mais
ativamente no cenário social e colaborar para conscientizar mais pessoas.
Passou então a acompanhar semanalmente a Comissão de Transito da Câmara
municipal. A voluntária acredita q o voto consciente pertence ao cidadão que
acompanha a vida política e quem faz parte dela, votando sempre da maneira
correta, conhecendo bem o candidato e sua trajetória. “O importante é
investigar a vida dos políticos. Com a Internet, o acesso a informações ficou
mais fácil como o caso do site Transparência Brasil (www.transparencia.org.br)
organização independente de combate à corrupção”, diz Amália. “Essas
instituições ajudam bastante o eleitor a conhecer a atuação dos políticos e os
problemas da cidade, do estado e do país”, completa.
Máquina financeira e deficiência na educação
“A má aplicação do voto é uma
questão de cultura e de educação”, afirma Gutierres Siqueira. Segundo o
estudante a transformação na maneira do brasileiro votar só acontecerá com uma
mudança cultural e a educação política dentro das escolas. “O processo já
começou com a geração de 80 que nasceu na democracia e possui uma visão crítica
da política, mas ainda vai levar gerações para que essa consciência se
concretize”, diz.
Para Amália Sylos a demora na
mudança do cenário social está no individualismo da juventude, que surgiu após
o golpe militar de 1964: “O que vemos hoje é a alienação do jovem por tudo o
que é coletivo. Só interessa a ele o que tem caráter individual”, conta. “Até
alguns termos, básicos na política como voto proporcional e coligações são
ignorados pelas pessoas”. A vice-coordenadora no Movimento Voto Consciente
acredita que a maior parcela de culpa pela corrupção e má administração não
concentra-se apenas na população que faz mau uso do voto, mas principalmente a
quem mantém financeiramente as campanhas eleitorais. “O grande escândalo da
política é a máquina financeira que age por interesses. O caixa dois é parte de
nossa cultura e revela o poder que tem o dinheiro”, diz. Amália cita o último escândalo de Caixa 2
ocorrido na Câmara Municipal de São Paulo e que levou à cassação do mandato de
13 parlamentares como exemplo de corrupção recorrente no Brasil. “Quem na
verdade colocou todos esses vereadores no poder foi a Associação Imobiliária
Brasileira (AIB) que financiou as campanhas e a mídia, com seu poder de
influência, também colabora muito para isso”, explica.
De acordo com a voluntária do
Movimento Voto Consciente a educação política brasileira é falha, o que
dificulta ainda mais a conscientização. Para ela a retirada da disciplina de
sociologia do currículo escolar pelo governador de São Paulo José Serra foi um
grande equívoco. “Se o estudante, dentro da escola entendesse que a política
está em tudo surgiria o interesse na participação antes, durante e depois das
eleições”, diz Amália.
Obrigatoriedade do voto
O Brasil é considerado um Estado
Democrático de Direito. Essa democracia, entretanto é contestada devido à
obrigatoriedade do voto no país.
A polêmica surge a cada nova
eleição. Se vivemos em uma nação democrática, não é de direito também escolhermos
votar ou não?
A corrupção evidente na política
brasileira e os recorrentes escândalos fazem o povo já desacreditado com os
rumos políticos da nação, ter menos interesse nas questões políticas. A
obrigatoriedade do voto e a falta de consciência política já resultaram em
aberrações no cenário. É comum a eleição de candidatos ligados ao mundo das
celebridades, dos esportes ou até mesmo personagens que ridicularizam a
política e são eleitos com um expressivo número de votos. O resultado é a
banalização da mais importante manifestação popular na sociedade e
consequentemente da política.
O voto ainda terá que ser fixado
na consciência do brasileiro como um ato importante e fundamental para a
mudança da sociedade. Algumas medidas, como a Lei 9840/99 que condena a prática
da compra de votos, já colaboram para a mudança neste quadro, mas ainda há
muito para ser feito.
De acordo com Amália Sylos, a
forma como se vota não depende do país. Em nações como a França, por exemplo, onde
a educação e o nível de instrução são altos, as eleições registram um grau de
abstinência extremamente elevado. Nos EUA, a situação é semelhante. O interesse
pelo voto é mínimo. Apenas nas últimas eleições presidenciais a situação foi
diferente e a participação popular atingiu aproximadamente 130 milhões de
pessoas. A exceção ocorreu nas eleições que elegeram o democrata Barack Obama
para ocupar a Casa Branca depois de oito anos desastrosos do governo George W.
Bush, que incluíram guerras, crise econômica e
repulsa mundial ao país.
No Brasil a obrigatoriedade do
sufrágio é ainda indispensável, segundo Amália. “Estamos em um estágio em a que
a obrigatoriedade do voto é necessária porque é a única maneira de fazer o povo
ao menos refletir um pouco sobre sua cidade, estado ou país. Se não for
obrigatório é claro que o cidadão vai preferir aproveitar um dia ensolarado na
praia”, argumenta.
Concentração de poder contra o caminho da mudança
Um dos grandes problemas para a
mudança no cenário político brasileiro é o afunilamento de partidos políticos.
Grandes partidos como PSDB, PMDB e PT polarizam o poder em grande parte do
território nacional. O espaço na mídia para grandes partidos é decisivo nas
campanhas eleitorais, já que esses possuem mais tempo e material para divulgar
sua campanha e apresentar seu candidato. Partidos pequenos, que tem menos
espaço acabam prejudicados na tentativa de conquistar a confiança e o voto do
eleitor.
O Partido Verde, que possui uma
bancada de 15 deputados na Câmara Federal contra 92 do bloco PMDB/PTC (veja
tabela) luta a cada campanha para conquistar o eleitor. A falta de espaço para
divulgar suas ideologias, em uma instância que abranja grandes multidões,
resulta em um menor número de candidatos eleitos.
O dirigente nacional do PV e
presidente da Fundação Verde Herbert Daniel, Marco Antonio Mróz acredita que os
pequenos partidos sobrevivem hoje pelo espaço conquistado com os poucos recursos
disponíveis. “Os grandes partidos conservadores não querem concorrência que
acirram ainda mais a disputa. A única maneira de crescermos é aumentarmos o
espaço conquistado junto à sociedade”, explica.
Mróz defende o conceito de voto
misto, isto é, sufragar o partido ao invés do indivíduo. Segundo ele o sistema
eleitoral brasileiro tem a corrupção e a ‘Lei de Gerson’ (tirar vantagem de
tudo) como característica. Dessa forma ao eleger o indivíduo a possibilidade de
erro é maior. “Hoje o político muda o tempo todo de filiação, não há um
compromisso. Se o eleitor vota no partido e o político deste partido comete
algum ato ilícito o partido tem o poder de tomar as providências necessárias e
manter o compromisso com o eleitor. Dessa maneira o partido se torna a
referência, não o candidato”, relata.
O Partido Verde tem um grande
desafio para as próximas eleições presidenciais. O lançamento da
pré-candidatura da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva à presidência da
república é para o PV um novo caminho e abre mais o leque de opções para o povo
brasileiro.
A bipolarização de candidaturas
entre o PT e o PSDB será ao menos balançada em 2010, mesmo mantendo o
favoritismo. O PV surge com a proposta de uma candidata muito bem aceita pelo
povo por seu trabalho realizado como Ministra do Meio Ambiente do governo Lula.
Para o dirigente nacional do PV a pré-candidatura fará surgir no povo
brasileiro um novo conceito de política e possibilitará a mudança no modelo de
governo atual. “Dilma (PT) e Serra (PSDB) apesar de serem de oposição, tem a
mesma posição política, é mais do mesmo”, opina. “Marina é diferente porque
traz um programa de desenvolvimento sustentável, apontando saídas no âmbito
social, econômico e ambiental. A campanha da Marina tenta realizar uma mudança
de hábito no voto brasileiro e só sua presença, sua participação já traz
enormes ganhos ao Brasil, pois traz pluralidade, novas idéias, nova forma de
pensar e nova proposta para governar”, explica Mróz.
A preocupação atual com o meio
ambiente em todo o mundo pode ajudar à pré-candidata do PV a conquistar
eleitores. A mudança na forma de governar e os programas para a conquista de
uma sociedade de “carbono zero”, em um planeta já afetado com as conseqüências
das mudanças climáticas serão o grande chamariz da campanha de Marina. O que o
PV terá que administrar para que sua campanha presidencial atinja os objetivos
é o espaço e o tempo concedidos ao partido no Programa Eleitoral Gratuito em
rádios e Tv’s. Candidatos de grandes partidos usufruem de programas eleitorais
com duração superior ao de todos os pequenos partidos juntos. Segundo Marco
Antonio Mróz a má divisão de tempo nos programas partidários tem grande
influência em qualquer eleição. “Se uma só coligação ocupa um espaço de 68% na
mídia para divulgar seu programa, é claro que há uma influência, seja ela
positiva ou negativa e com certeza a imprensa dá preferência para quem paga, ou
seja, ao executivo, que leva vantagem sobre os demais. É o velho jogo de
interesses”, explica.
O trabalho para conquistar o voto
dos eleitores será árduo para os “verdes”, já que a grande fonte de informação
do brasileiro é a TV e o espaço cedido aos pequenos partidos é muito limitado.
Para o dirigente nacional do PV, educar o povo para votar corretamente é um
grande desafio. Isso porque grande parte da população ainda desconhece o papel
e a influência exercida pelos governantes que coloca no poder. “Só uma parcela
tem essa consciência política, não chega a 5%”, diz. “As pessoas conseguem discernir
as grandes coisas da vida. Agora as pequenas grandes coisas como o sufrágio,
passam despercebidas e é por isso que o voto do cidadão brasileiro é até hoje
fisiológico e paroquial”, completa.
A participação popular com o sufrágio
universal nas próximas eleições seja em âmbito executivo como legislativo é
mais uma tentativa de mudança da sociedade brasileira escandalizada com o
descomprometimento das autoridades e ao mesmo tempo ainda inconsciente do valor
da política para os rumos do país. A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em
2002 foi uma demonstração de que o povo não tem medo de mudança. O que falta
apenas é a realização de uma análise crítica do Brasil para que haja assim a
destinação crítica do voto.